INTERTEXTUALIDADE



Diálogo entre dois ou mais textos, que não precisam ser necessariamente de um mesmo gênero, a intertextualidade é um fenômeno que pode manifestar-se de diferentes maneiras.
Você sabia que os textos podem conversar entre si? Sim, isso é possível, e a esse fenômeno damos o nome de intertextualidade. Essa ocorrência pode ser implícita ou explícita, feita por meio de paródia ou por meio da paráfrase. O que esses variados tipos têm em comum? Todos eles resgatam referências nos chamados textos-fonte, que são aqueles textos considerados fundamentais em uma cultura.
Para que você entenda melhor o conceito de intertextualidade, basta analisar a estrutura da palavra: inter é um sufixo de origem latina e faz referência à noção de relação. Por isso, é correto afirmar que a intertextualidade refere-se às relações entre os textos, assim como é correto afirmar que todo texto, em maior ou menor grau, é um intertexto, e isso acontece em virtude das relações dialógicas firmadas.

Bom conselho - Chico Buarque


Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança

Venha, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar

Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade.

Ao ler a letra da música composta por Chico Buarque, você notou algo familiar? Provavelmente sim! Isso aconteceu porque o cantor e compositor apropriou-se de alguns ditados populares, mas em vez de citá-los, isto é, empregá-los como eles exatamente são, Chico optou por parodiá-los, invertendo seus significados e atribuindo-lhes novos sentidos, o que confere à música o efeito de humor. Esse tipo de estratégia textual é muito comum na literatura brasileira, recorrente principalmente no gênero poema. Veja outro exemplo de intertextualidade:

Canção do Exílio - Gonçalves Dias

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.


Canto de regresso à pátria - Oswald de Andrade

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores


No exemplo acima, o texto-fonte é o poema de Gonçalves Dias, um dos principais representantes da primeira fase do Romantismo brasileiro. A partir dele, Oswald de Andrade, que integrou o movimento modernista, construiu uma paródia, transportando o poema escrito no século XIX para a então realidade da segunda década do século XX, dando-lhe assim um ar de modernidade.
Como você pôde perceber, a intertextualidade pode acontecer com textos dos variados gêneros: pode surgir em uma letra de música, em um poema, nos textos em prosa e até mesmo nos textos publicitários. Só é capaz de reconhecê-la o leitor habilidoso, aquele que já entrou em contato com diversos textos-fonte ao longo da vida. Isso significa que a interpretação de texto não depende apenas do conhecimento do código (nossa língua portuguesa), mas também das relações intertextuais que influenciam de maneira decisiva o processo de compreensão e de produção de textos.




Intertextualidade Explícita e Implícita


De acordo com a referência utilizada pela intertextualidade ela pode ser explícita, donde nota-se logo o intertexto na superfície textual, ou seja, geralmente há citação da fonte original; ou implícita a qual não se encontra de imediato o intertexto aplicado, ou seja, é necessária maior atenção do leitor uma vez que não aparece a citação do texto-fonte.

Intertextualidade Explícita

 

Trecho do poema de “Sete Faces” de Carlos Drummond de Andrade

“Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.”


Trecho do poema “Até o fim” de Chico Buarque

“Quando nasci veio um anjo safado
O chato do querubim
E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim”


Intertextualidade Implícita

 

Trecho da música “Ai que saudade da Amélia” de Ataulfo Alves e Mário Lago

“Ai meu Deus que saudade da Amélia
Aquilo sim que era mulher
As vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
E quando me via contrariado dizia
Meu filho o que se há de fazer
Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia que era a mulher de verdade”


Trecho da Música “Desconstruindo Amélia” de Pitty

“E eis que de repente ela resolve então mudar
Vira a mesa
Assume o jogo
Faz questão de se cuidar
Nem serva nem objeto
Já não quer ser o outro
Hoje ela é o também”


Classificação e Exemplos de Intertextualidade


Veja abaixo os principais tipos de intertextualidade e alguns exemplos:
Paródia: O termo “paródia” vem do grego (parodès) e significa “um canto (poesia) semelhante a outro”. Trata-se de uma imitação burlesca muito utilizada nos textos humorísticos, donde o sentido é levemente alterado, geralmente pelo tom crítico e o uso da ironia.

Exemplo:
Texto Original

“Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!"
(Casimiro de Abreu, “Meus oito anos”)

Texto Parodiado

“Oh que saudades que eu tenho
Da aurora de minha vida
Das horas
De minha infância
Que os anos não trazem mais”
(Oswald de Andrade, "Meus oito anos")
Paráfrase: O termo “paráfrase” vem do grego (paraphrasis) e significa a “reprodução de uma sentença”. Ela faz referência um texto, reproduzindo outro sem que a ideia original seja alterada.
Exemplo:
Texto Original

“Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá,
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.”
(Gonçalves Dias, “Canção do Exílio”)
Texto Parafraseado

“Meus olhos brasileiros se fecham saudosos
Minha boca procura a ‘Canção do Exílio’.
Como era mesmo a ‘Canção do Exílio’?
Eu tão esquecido de minha terra...
Ai terra que tem palmeiras
Onde canta o sabiá!”
(Carlos Drummond de Andrade, “Europa, França e Bahia”)

Epígrafe: O termo “epígrafe” vem do grego (epigraphé) que significa “escrita na posição superior”. Ela é muito utilizada em artigos, resenhas, monografias, e surge acima do texto, indicado por uma frase semelhante ao conteúdo que será desenvolvido no texto.
Exemplo:
Abaixo está uma Epígrafe utilizada num artigo sobre educação:
Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. (Paulo Freire, “Pedagogia do Oprimido”)

Citação: O termo “citação” deriva do latim (citare) e significa “convocar”. Nesse caso, utiliza-se as próprias palavras de um texto-fonte, referida por meio de aspas e itálico já que se trata da enunciação de outro autor. Do contrário, se a citação não apresentar a fonte, ela é considerada “plágio”.

Em entrevista à revista Veja (1994) Milton Santos aponta: “A geografia brasileira seria outra se todos os brasileiros fossem verdadeiros cidadãos. O volume e a velocidade das migrações seriam menores. As pessoas valem pouco onde estão e saem correndo em busca do valor que não têm”.

Alusão: O termo “alusão” é derivado do latim (alludere) e significa “para brincar”. É também chamado de “referência”, de forma que faz uma referência explícita ou implícita ao texto-fonte.
Exemplo:
Ele me deu um “presente de grego”. (A expressão faz alusão à Guerra de Troia, indicando um presente mal, o qual pode trazer prejuízo)

Hipertexto: hipertexto (também chamado de hipermídia) é um texto dentro de outro texto e originalmente é uma espécie de obra coletiva e se assemelha ao pastiche.

Exemplo:
Um exemplo notório de hipertexto são os links inseridos nos artigos da internet, construindo assim, uma rede de informações interativa e não-linear.
Pastiche: diferente da paródia, o pastiche artístico e literário trata-se da imitação de um estilo ou gênero e, normalmente, não apresenta um teor crítico ou satírico. O termo “pastiche” é derivado do latim (pasticium), que significa “feito de massa ou amálgama de elementos compostos”, uma vez que produz um texto novo, oriundo de vários outros.
Exemplo:
“Pois é. Tenho dito. Tudo aleivosia que abunda nesses cercados. Maisquenada. Foi assim mesmo, eu juro, Cumpadre Quemnheném não me deixa mentir e mesmo que deixasse, eu mentia. Lorotas! Porralouca no juízo dos povos além das Gerais! Menina Mágua Loura deu? Não deu.(...)”
(Guimarães Rosa, “Grande Sertão: Veredas”)
“Compadre Quemnheném é que sabia, sabença geral e nunca conferida, por quem? Desculpe o arroto, mas tou de arofagia, que o doutor não cuidou no devido. Mágua Loura era a virge mais pulcra das Gerais. Como a Santa Mãe de Deus, Senhora dos Rosários, rogai por nós! (...)”
(Carlos Heitor Cony, Folha de S. Paulo, 11/09/1998)

Tradução: o termo “tradução” deriva do latim (traducere) e significa converter, mudar, transferir, guiar, de forma que transforma um texto de uma língua em outra, fazendo uma espécie de recriação do texto-fonte.


Exemplo
Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás.”
(Che Guevara)

Tradução português: “É preciso ser duro mas nunca sem perder a ternura.”



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